Dieta. Cada vez mais, a saúde passa pela alimentação. Avaliar o que comemos pode dar uma ideia do risco que cada um ter de vir a sofrer de cancro e de que protecção beneficia. A carne vermelha é sinal de perigo. Os lacticínios protegem.

Há alimentos que protegem das neoplasias
Ingerir fibras, como as que encontramos nos cereais integrais, previne o cancro do cólon. O leite e o queijo parecem igualmente trazer benefícios. A cebola e o alho ajudam a evitar alguns tumores do estômago e do esófago.
De uma maneira geral, é aconselhada a ingestão de frutas e vegetais, mas por exemplo, estes alimentos não parecem estar relacionados com uma diminuição do risco do cancro da mama ou da próstata. A alimentação é cada vez mais chamada a explicar casos de cancro e, crescentemente, a investigação científica tem vindo a debruçar-se sobre a relação entre a dieta e a saúde.
Contudo, a tarefa dos investigadores não tem sido fácil e a relação com os alimentos também não, porque é uma associação nem sempre simples de medir e seguir, não surgindo de forma evidente. Um dos estudos mais importantes neste campo tem sido o EPIC, um projecto internacional que tem trazido grandes contributos para o conhecimento do cancro através da participação de mais de meio milhão de europeus. Fátima Carneiro, investigadora do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), que está envolvida no projecto na parte do controlo de diagnóstico, explica que esta base de estudo “tem um valor inestimável”.
O desenho de corte – que está na base do EPIC – tem uma importância capital na ciência: a ideia é seguir um conjunto populacional ao longo de vários anos, às vezes décadas, avaliando inúmeros factores, como é o caso da dieta alimentar.
Ou seja, os cientistas acompanham uma população real no seu dia-a-dia. A “importância capita” do EPIC, explica ainda a patologista do Porto, reside no facto de ter conseguido agregar mais de 500 mil pessoas – recrutadas entre 1992 e 1998 – vindas de dez países como a Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda, Noruega, Espanha, Suécia e Reino Unido, Portugal não tem participantes nacionais envolvidos neste projecto, que tem vindo a armazenar as amostras biológicas em Lyon (França).
Um dos estudos recentes “saídos” do projecto EPIC, financiado por uma série de instituições europeias, é o trabalho que relaciona a ingestão de carne vermelha com o cancro de estômago e do esófago. É já um dos artigos, publicados no International Journal of Cancer, mais citados em todo o mundo.
Muitos estudos têm falhado em encontrar ligação entre a dieta alimentar e o cancro (com sucessivos resultados e descobertas contraditórias a serem recorrentemente publicadas) porque existem diferentes tipos de neoplasias mesmo dentro de cada órgão, e os factores de risco variam. Por isso, uma das componentes que contribuem para a solidez do EPIC diz respeito à confirmação dos diagnósticos de cancro por análise patológica, em que Fátima Carneiro tem estado envolvida.
No que diz respeito ao cancro do estômago, os investigadores distinguiram dois tipos diferentes, consoante a sua localização: os de tipo cárdia (na zona de transição entre o estômago e o esófago) e os não-cárdia, relativos a outras zonas deste órgão digestivo.
Assim, o consumo de qualquer tipo de carne vermelha e cozinhada, está significativamente associada ao cancro de estômago não-cárdia, risco significativamente agravado quando há infecção pela Helicobacter pylori (bactéria responsável pelas gastrites). Os investigadores não encontraram relação entre o tipo de cancro de estômago de tipo cárdia e uma associação positiva, mas não significativa, entre o consumo de carne e a neoplasia do esófago.
Um terço dos tumores tem explicação na dieta alimentar
Estilo de vida. A mortalidade oncológica pode ser evitada em 33% dos casos.
O aumento da incidência de alguns cancros, como o do cólon, no mundo ocidental, tem evidenciado a importância da dieta alimentar para identificar os factores de risco para determinadas neoplasias. A Organização Mundial de Saúde estima que, em média, um terço dos cancros estão relacionados com o tipo de comida que as pessoas ingerem.
O problema está ainda na forma como é confeccionada e, claro, na ausência de determinadas substâncias que se sabe terem um efeito protector.
Os cientistas estimam que, por exemplo, o estilo de vida tenha sido responsável em 2001 por mais de um terço das sete milhões de mortes atribuídas ao cancro. O estudo da Universidade de Harvard, publicado na revista The Lancet, adianta que nove factores de risco – que podem ser alterados pelos homens – foram responsáveis por quase 2,5 milhões de mortes. Entre eles estão nomeadamente no que diz respeito à dieta alimentar, o baixo consumo de frutas e vegetais e o abuso de álcool. Entre os outros factores, contam-se a obesidade, a falta de exercício físico, o tabaco e a poluição.
Um estudo sobre o cancro gástrico realizado no Porto demonstrou, por exemplo, que o consumo de frutas e vegetais são um factor de protecção. O trabalho – que envolveu uma equipa do Departamento de Higiene S. João e do IPO – estudou mais de 230 casos de cancros gástricos e verificou que existe uma relação negativa entre estas neoplasias e aqueles ingredientes, ainda que a razão desta associação permaneça por exemplificar.
Nuno Lunet, um dos investigadores do DIE que trabalharam neste projecto, realça que as associações entre o cancro e os factores alimentares “são difíceis de avaliar”, porque a alimentação é “muito complexa”. Além de que “o cancro demora muitos anos a desenvolver e é difícil perceber o papel dos alimentos ao longo das várias fases”.
Por exemplo, explica, “os frutos e vegetais têm um factor protector, mas isso não vale para todos os cancros”. Mais consensual é que “o controlo do peso” é um factor essencial à Saúde.
Certo é que o fardo oncológico vai continuar a pesas nas sociedades modernas. De acordo com um estudo publicado nos Anuais de Oncologia, em 2006 registaram-se 3,2 milhões de novos casos de cancro na Europa, quando em 2004 esse valor se ficou pelos 2,9 milhões. Os cancros mais mortíferos são o do pulmão, o colorrectal, da mama e de estômago. Um dos investigadores responsáveis pelo estudo defende que são necessárias medidas urgentes para inverter esta tendência: entre elas está melhorar a dieta alimentar dos europeus.
Combater a obesidade é uma das metas
Epidemia. O excesso de peso e a gordura abdominal explicam cancro do pâncreas e da próstata.
O controlo do peso parece ser um factor cada vez mais importante quando se trata de manter a saúde e também aí a dieta alimentar, juntamente com o exercício físico, que é uma peça fundamental. O estudo EPIC demonstrou que, por exemplo, o excesso de peso e a obesidade estão relacionados com o aparecimento do cancro da mama, nas mulheres, depois da menopausa, e do cancro de rim e do esófago.
A gordura corporal tem aí um papel essencial e a sua acumulação na zona abdominal, por exemplo, explica um maior risco de cancro do pâncreas. Outro trabalho, realizado por uma equipa do Hospital de S. João, no Porto, demonstrou também que, para os homens, o excesso de peso que se torna visível sobretudo à volta da cintura é especialmente perigoso no que diz respeito ao cancro de próstata.
A obesidade, considerada uma das epidemias do século XXI, está ainda relacionada com outras patologias, como a diabetes e a hipertensão.
Guia de Alimentos
Saúde no Prato – Vários estudos científicos têm demonstrado as vantagens e os riscos em consumir determinado tipo de alimentos quando se trata de cancro.

Alho e Cebola
O consumo destes vegetais tem um efeito protector, que parece ser especialmente significativo no que respeita à defesa contra alguns tipos de cancro de estômago e do esófago.

Citrinos
Estão relacionados com a prevenção do aparecimento de cancros em zonas superiores do estômago e de adenocarcinomas do esófago, que os cientistas acreditam partilharem factores de risco. A explicação pode estar nas características antioxidantes da vitamina C.

Vegetais e Frutas
Estão relacionados com o risco de cancro do estômago e do intestino, assim como do pulmão, por exemplo, mas não da mama ou da próstata. Contudo, duma maneira geral, apenas uma porção extra diária destes alimentos reduz em 20% o risco de vir a morrer de qualquer causa.
     
Fibras
Consumos elevados de fibras reduzem o risco de vir a sofrer de cancro de intestino e podem anular o efeito negativo de altos consumos de carne, também demonstrados para esta mesma patologia.

Carne
Uns bons bifes podem ter como resultado um cancro do estômago e também do intestino (ainda que aqui as fibras joguem um papel protector importante). Não foi encontrada evidência de maior risco com o consumo de carnes de aves.

Peixe
O consumo regular de peixe reduz o risco de cancro colorrectal.

Lacticínios
Risco de vir a sofrer de cancro colorrectal diminui com a ingestão de leite e queijos. O efeito dos iogurtes não foi demonstrado.